Jurisprudência defensiva: conceito e exemplos
A jurisprudência defensiva ganhou fama no discurso de posse do ministro Humberto Gomes de Barros, quando este assumiu a presidência do STJ no ano de 2008. Na posse, o ministro arguiu que o STJ teria se transformado em uma terceira instância, visto que passou a receber, indiscriminadamente, apelos oriundos de trinta e dois tribunais, espalhados por todo o Brasil.
O ministro comenta que os 19.267 processos julgados em 1991 transformaram-se, no ano de 2007, em 330.257 decisões. Segundo ele, o “exagerado número de feitos intensificou a frequência dos julgamentos, aumentando a possibilidade de erros, tornando insegura a jurisprudência”.
Neste ano de 2023, até o dia 17 de maio, de acordo com dados do painel de estatísticas do CNJ, o tribunal superior já havia julgado 26.342 processos. Nos últimos 3 anos, o tribunal julgou 1.351.028 processos.
Tendo em vista o número elevado de processos, o ministro Humberto Gomes de Barros entendia que o tribunal estava correndo o risco de transformar-se em reles terceira instância, com a única serventia de alongar o curso de processos e dificultar ainda mais a prestação jurisdicional.
Para fugir do “aviltante destino”, o ministro declarou que o tribunal adotou a denominada “jurisprudência defensiva“.
Mas afinal, o que é essa tal de jurisprudência defensiva?
É o que vamos te contar nesse post, que estruturamos da seguinte maneira:
1. O que é a jurisprudência defensiva?
2. Quais são os exemplos de jurisprudência defensiva?
3. A jurisprudência defensiva no novo CPC
1. O que é a jurisprudência defensiva?
Nas palavras do ex-presidente do STJ Humberto Gomes de Barros, a jurisprudência defensiva consiste na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que eram dirigidos ao STJ.
Celso Mori defende que a jurisprudência defensiva vai além e trata-se de uma política judiciária de tentativa de redução da descomunal quantidade de recursos que são diariamente endereçados ao STJ.
A jurisprudência defensiva é, portanto, uma forma encontrada pelos tribunais para barrar a subida de recursos e, consequentemente, desafogar estes tribunais do julgamento de mérito de novos casos. Esse obstáculo à subida é colocado por um apego exacerbado a questões puramente técnicas ou formais.
A jurisprudência defensiva é muito criticada pelos advogados por não ter nenhuma previsão na Constituição Federal ou nas leis. Ademais, segundo os juristas, a adoção da jurisprudência defensiva configura um cerceamento ao direito constitucional de recorrer do jurisdicionado, é uma afronta aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, bem como viola frontalmente artigos da Constituição e de leis como o Código de Processo Civil.
2. Quais são os exemplos de jurisprudência defensiva?
A característica fundamental da jurisprudência defensiva é a supervalorização dos requisitos formais de admissibilidade do recurso. São exemplos de jurisprudência defensiva e destas formalidades consideradas excessivas, os seguintes:
- Súmula 115 do STJ, que versa que na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos;
- Necessidade da parte juntar documento comprobatório da existência de feriado ou data sem expediente forense para evitar ver seu recurso negado;
- O protocolo ilegível da interposição de recurso;
- Guia preenchida de forma incorreta ou com alguma incorreção; e
- A certidão de tempestividade do recurso do foro de origem que não merece fé e não tem presunção de validade.
As situações acima são alguns exemplos de decisões e entendimentos de magistrados que impediram o julgamento de mérito de recursos e podem ser consideradas jurisprudências defensivas. Mas nem tudo está perdido, porque o Código de Processo Civil fornece algumas ferramentas para combater esses formalismos, conforme te explicamos a seguir.
3. A jurisprudência defensiva no novo CPC
O atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) veio com a promessa de modernizar e agilizar o processo judicial, além de garantir efetividade e segurança jurídica. Ele é fruto de um processo participativo e de um amplo debate com os diversos setores da sociedade e do meio jurídico. O objetivo da sua criação era disponibilizar à comunidade jurídica um código que fosse mais acessível, transparente e ágil e que acompanhasse as mudanças sociais e tecnológicas contemporâneas.
Pelas suas características intrínsecas e contexto de criação, o atual CPC tem algumas ferramentas que podem ser utilizadas em face da jurisprudência defensiva. Nesse sentido, um dos principais princípios deste código é o da “primazia do julgamento de mérito”, previsto no seu art. 6º. Este artigo prevê a necessidade de cooperação dos sujeitos do processo para a obtenção de uma decisão de mérito justa e efetiva em tempo razoável.
Portanto, a ideia central do art. 6º do CPC é de que a regra máxima é a solução do mérito do caso concreto apresentado ao Poder Judiciário. Somente por extrema impossibilidade de julgamento meritório é que não se conhece o mérito do processo ou recurso.
Extinguir o processo sem resolução do mérito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou não conhecer de um recurso) é algo que só pode ser admitido quando se estiver diante de vício que não se consiga sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto a oportunidade para que o mesmo fosse sanado e isso não tenha acontecido (CÂMARA, 2019).
Alguns dos dispositivos do CPC que confirmam esta primazia do julgamento do mérito e são ferramentas úteis para coibir a jurisprudência defensiva são os seguintes:
- art. 4º - As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa;
- art. 218, §4º - Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo;
- art. 317 - Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.;
- art. 485, §1º - Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir a falta no prazo de 5 (cinco) dias;
- art. 932, par. único - Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível;
- art. 1007, §4º - O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção;
- art. 1029, §3º - O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave;
- art. 1032 - Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional;
- art. 1033 - Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial;
Tendo em vista os dispositivos acima, o Código de Processo Civil em vigor pode ser um grande aliado no combate à perpetuação da prática da jurisprudência defensiva em nosso sistema processual recursal perante os Tribunais Superiores, bem como um grande aliado à primazia do julgamento de mérito.
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Referências
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro, 5ª edição, São Paulo: Atlas, 2019