Jurisprudência dos conceitos: definição e relação com a Jurimetria

Ao longo da história do pensamento jurídico, vários juristas apresentaram as suas teses para dizer o que é o direito e como ele deve ser interpretado e aplicado. Muitos teóricos estudaram e sistematizaram os processos aplicáveis ao mundo jurídico com a finalidade de determinar o sentido e o alcance das suas expressões.

Para fins didáticos e acadêmicos, estes pensadores são distribuídos em escolas hermenêuticas, que são classificadas de acordo com predomínio de uma determinada acepção do direito. Existem, por exemplo, as escolas com atitude racionalista e as escolas com atitude empirista em face dos fenômenos jurídicos.

No século XVIII existiram duas grandes escolas jurídicas predominantes, quais sejam a Escola da Exegese e a Escola Pandectista do Direito. Elas são escolas paralelas, mas nutridas por culturas diferentes.

A Escola da Exegese (também denominada de Legalista ou Racionalista) se encontra num contexto de uma França pós-revolucionária, em que Napoleão busca a consolidação de certos valores proporcionados durante a revolução e tem como fruto a criação do Código Civil Francês, ou Código Napoleônico. De forma reducionista, ela tem como base apenas o uso da letra da lei como forma de aplicação do direito. Para ela, o juiz é a “boca da lei”.

A Escola Pandectista (ou Escola Histórica do Direito), por sua vez, desenvolveu-se na Alemanha e era apoiada na tradição romanística. Esta escola é assim denominada, porque os seus adeptos eram grandes estudiosos da Segunda Parte do Corpus Juris Civilis, de Justiniano, chamada de Pandectas, que eram normas de direito civil com respostas de jurisconsultos.

A expressão Volksgeist é oriunda a Escola Pandectista e significa “o espírito do povo”. A ideia do Volksgeist é de que o povo é anterior e superior ao Estado e é do espírito do povo que nasce o direito. Nesse sentido, o costume ganha relevância em relação à lei, porque emana do Volksgeist, ou seja, do espírito do povo.

Estas escolas também tinham as suas derivações e ramificações. O Pandectismo, por exemplo, dá origem às escolas de jurisprudência, que te explicaremos neste post, dando um destaque especial à jurisprudência dos conceitos.

Para isso, dividimos esse texto da seguinte forma:

1. Quais são as escolas de jurisprudência?
2. Quem foi Puchta?
3. O que é a jurisprudência dos conceitos?
4. Qual a relação da jurisprudência dos conceitos com a jurimetria?

1. Quais são as escolas de jurisprudência?

Existem basicamente três escolas de jurisprudência: i) dos conceitos; ii) dos interesses; e iii) dos valores. As três escolas acima são consideradas por alguns estudiosos como sendo três escolas diferentes do positivismo jurídico.

Vamos a elas?

Escolas de jurisprudência: dos conceitos, dos interesses e dos valores

a) Jurisprudência dos conceitos

A jurisprudência dos conceitos teve como principais representantes Ihering, Savigny e Puchta. Este último é considerado por muitos estudiosos como seu fundador. Ela tem como principal característica a busca da justificação da norma específica com base na mais geral e é tratada de forma mais detalhada nos tópicos 2 e 3 deste texto.

b) Jurisprudência de interesses

A jurisprudência dos interesses, por sua vez, tem como representante principal Philipp Heck. Essa corrente partia do pressuposto de que o ordenamento jurídico tinha lacunas. Diante destas lacunas, o juiz haveria de ter um papel mais ativo, menos amarrado ao conceitualismo lógico-formal e mais ligado à realidade, ou seja, aos “interesses da vida” envolvidos nas discussões jurídicas.

O objetivo desta corrente de pensamento era disponibilizar um instrumental teórico que possibilitasse que os juízes chegassem a uma decisão objetivamente adequada, que fosse capaz de satisfazer as necessidades da vida presentes na comunidade jurídica.

Pautados numa perspectiva sociológica do direito, os defensores da jurisprudência dos interesses sustentavam que são os interesses das pessoas e grupos que movem e fazem o direito se desenvolver.

c) Jurisprudência de valores

A jurisprudência dos valores (ou dos princípios) teve seu marco inicial no século XX e tinha como técnica operativa a mesma que a da Jurisprudência dos Conceitos, isto é, trabalhava com construções de alto grau de abstração. Na jurisprudência dos valores, busca-se uma interpretação da lei segundo os valores por ela tutelados.

A Jurisprudência dos valores busca apontar a origem dos valores que norteiam as decisões judiciais nas oportunidades em que a norma, por si só, não é capaz de fornecer critérios para a avaliação do caso concreto.

Esta doutrina se desenvolve na Alemanha, no período após a Segunda Guerra Mundial, pela atuação do Tribunal Constitucional Federal Alemão.

2. Quem foi Puchta?

Georg Friedrich Puchta foi um jurista alemão nascido em Kadolzburg, na Bavária. em 31 de agosto de 1798. Ele integrava a Escola Histórica do Direito e era o principal discípulo de Savigny.

Puchta começou a cursar Direito em 1816 na Universidade de Erlangen, onde recebeu as influências das obras de Savigny, foi professor de Direito em algumas universidades e sucedeu a cátedra de Savigny em Berlim em 1842. O autor faleceu no ano de 1846, em Berlim, aos 47 anos.

Georg Friedrich Puchta

Puchta é considerado o principal teórico da Jurisprudência dos conceitos. Entretanto, em que pese o seu protagonismo, outros autores também fizeram parte do desenvolvimento desta corrente de pensamento, como o próprio Savigny e o Ihering.

Apesar da importância das suas ideias, as obras de Puchta não foram objeto de tradução para idiomas como o português e espanhol. Esta situação explica o pouco conhecimento dos estudos do autor na América Latina (GONÇALVES, 1997).  

As obras deixadas por Puchta foram as seguintes:

  • “Lehrbuch der Pandekten” (“Manual das Pandectas”, 1838);
  • “Kursus der Institutionen” (“Curso das Instituições”, 1841-1847);
  • “Das Gewohnheitsrecht ” (“Direito Consuetudinário”, 1828-1837);
  • “Einleitung in as Recht der Kirche” (“Introdução ao Direito Eclesiástico”, 1840); e
  • “Kleine Civilistische Schriften” (“Pequenos Escritos de Direito Civil”, 1851 – que se trata de uma coletânea de ensaios editada por Adolph August Friedrich Rudorff).

O autor entendia que o Direito é um fato histórico e, consequentemente, pode ser imaginado como um organismo social vivo. Puchta é contrário à visão racionalista do Direito, justamente por entender que o direito enquanto fato histórico e organismo social vivo, sempre está em movimento e se sujeita às mudanças que ocorrem com o tempo (GONÇALVES, 1997).

Para entender a teoria de Puchta, podemos imaginar a existência de pirâmides conceituais, ou seja, uma estrutura escalonada de conceitos.  Ele elenca conceitos gerais que ficam no topo da pirâmide e mostra como os conceitos mais específicos podem se encaixar nos conceitos mais gerais. Por isso, a ideia de uma pirâmide dos conceitos, existente na jurisprudência dos conceitos.

3. O que é a jurisprudência dos conceitos?

Na jurisprudência dos conceitos, Puchta busca formar um sistema interpretativo que se apresentasse como objetivamente válido, ou seja, independente de subjetivismos. A ideia de Puchta era a construção de uma pirâmide conceitual, que tivesse as seguintes características:

  • Não normativa;
  • Composta por essências;
  • Fatos valorados;
  • Conteúdos.

A pirâmide poderia ter apenas conceitos ligados entre si por meio de silogismos (deduções), que eram compostos por premissas maiores, premissas menores e conclusões. Buscava-se, portanto, uma valorização do elemento lógico acima da realidade social.

A escola da jurisprudência dos conceitos defende a existência de um raciocínio lógico-dedutivo entre os conceitos. Por meio deste raciocínio, aqueles conceitos considerados “superiores” permitiriam, considerando a sua generalidade e abstração, determinadas afirmações sobre os conceitos “inferiores”, que são mais específicos e concretos.

O conceito supremo é aquele que, teoricamente, fica no topo da pirâmide dos conceitos. É a partir do conceito supremo que se deduzem todos os outros conceitos. Ele codetermina os demais conceitos a partir do seu conteúdo (LARENZ, 1997).

Assim, na jurisprudência dos conceitos, os conceitos mais gerais e abstratos, como justiça, liberdade, igualdade e propriedade, são considerados mais elevados e superiores aos conceitos mais específicos e concretos, como os que se referem a tipos específicos de contratos ou crimes, por exemplo.

Pirâmide dos conceitos

Esses conceitos mais elevados e gerais têm um papel fundamental na interpretação e aplicação das normas jurídicas, orientando a análise dos casos concretos e contribuindo para a construção de uma ordem jurídica coerente e consistente.

4. Qual a relação da jurisprudência dos conceitos com a Jurimetria?

A Jurimetria e a jurisprudência dos conceitos são abordagens diferentes do estudo do Direito, mas elas podem se complementar em alguns aspectos, devido as suas características principais.

Enquanto a jurisprudência dos conceitos se concentra na análise dos conceitos jurídicos e na construção de um sistema coerente de normas jurídicas, a Jurimetria utiliza métodos estatísticos com a finalidade de mensurar e quantificar os fenômenos jurídicos, como as decisões judiciais e os processos judiciais.

Em que pese serem abordagens diferentes, a Jurimetria pode ser utilizada para avaliar o desempenho e a efetividade de um sistema jurídico construído com base na jurisprudência dos conceitos. Um exemplo desta situação seria a utilização da Jurimetria para analisar a consistência e a previsibilidade das decisões judiciais em relação aos conceitos jurídicos construídos pela jurisprudência dos conceitos.

Além disso, a Jurimetria também pode ser usada para identificar padrões e tendências na aplicação do Direito, o que pode ajudar a orientar a construção de novos conceitos jurídicos ou a reforma do sistema jurídico como um todo. Nesse sentido, a Jurimetria pode ser vista como uma ferramenta complementar à jurisprudência dos conceitos, permitindo que o sistema jurídico seja constantemente avaliado e aprimorado.

Hoje, a Jurimetria é considerada um diferencial competitivo, mas num futuro não tão distante assim, ela se tornará algo comum no cotidiano. Nos Estados Unidos, por exemplo, já é uma prática comum.

Com ela, você pode entender perfil decisório de determinado órgão julgador sobre uma determinada matéria; compreender assuntos específicos em tempo reduzido, mesmo que não sejam da sua área de atuação de especialização.

Além disso, a possibilidade de criar teses com maior chance de provimento e capacidade de encontrar padrões de decisões.

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Referências:

GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini. A CIÊNCIA DO DIREITO NA CONCEPÇÃO DE GEORG FRIEDRICH PUCHTA. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 4, n. 2, 2009. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/download/7035/4252 Acesso em 15 mai 2023

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. José Lamego (Trad.). Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997.